segunda-feira, 29 de junho de 2009

Culpados, doentes e infelizes.

Conheço um bando de gente que está doente. Pessoas comuns, que têm namorado, têm dinheiro o suficiente pra viver sem passar necessidades, têm filhos, têm boas intenções e alguns valores nobres, têm emprego e medo, muito medo. Perdem a saúde e não sabem muito bem pelo quê.

Estão acuados. Sentem que está tudo muito errado, algo vai muito contra os seus instintos mais íntimos, mas não sabem muito bem definir como nem o que. Aprenderam na escola e na vida o pensamento que separa: matemática de português, o branco do índio, sociologia de psicologia, economia de finanças, não sabem juntar lé com cré, nunca tiveram a visão do todo. Aprenderam, graças aos computadores, que quando algo “dá pau”, é sentar e esperar, que não há nada que se possa fazer. Aprenderam também que história é chato e não entendem como se pode aprender com os erros das sociedades do passado.

Assumem a culpa quando ouvem na TV que sustentam o tráfico de drogas e que votam errado, elegendo canalhas que acabam com a sua própria vida. A culpa é toda deles, eles assumem, sem pensar no que estão fazendo. Não percebem algo como a seguinte metáfora: uma criança sadia é levada para viver numa cidade onde só existem pessoas contaminadas com um vírus qualquer. Quando essa criança cresce - e lembrem que ela cresceu neste ambiente contaminado e tem idéias e valores que aprendeu exatamente neste mundo - alguém diz pra ela que a culpa dela estar doente é só dela. Que devia ter lutado, que devia ter conseguido ferramentas para sair dessa cidade, que devia ter tido menos medo de se contaminar, e que assim não teria se contaminado. Porém, o mundo ao redor dela dizia outra coisa, dizia que estava tudo certo em pegar o vírus, pois todos o tinham, mesmo. Mas ela se convence que a culpa é dela, e continua lá na cidade, culpada, doente e infeliz.

Somos nós neste ambiente contaminado. E somos levados a pensar que a culpa por não reagir é toda nossa, porém em nenhuma instância é nos dada a mínima condição de reagir a nada. Não é mesmo pra gente reagir, e não é por acaso. Não só pelo nosso passado e pela maneira como aprendemos a viver, mas pelo próprio presente: o que existe além de uma corrida desenfreada por um bom emprego e dinheiro? Toda nossa vida gira ao redor disso, até nosso lazer é determinado por isso, pois se você sai e se diverte a noite toda, não acorda para trabalhar amanhã. E não dá tempo de pensar em criticar, além de não termos aprendido a criticar nada que não seja besteira, como a roupa alheia ou a celebridade na TV. E vamos enriquecendo a empresa, enriquecendo o sistema que nos controla, enquanto ganhamos o necessário somente para "viver", isto é, quando ganhamos. E essa vida pau-no-cu, essa mesma vida que nos adoece, ninguém precisou nos impôr, nós aprendemos a querer isto. É como um escravo que livremente se candidata à vida escravizada.

O mais impressionante são os extremos a que isso tudo leva: como não vemos jeito pra arrumar a coisa, aliás nem sabemos por que a coisa chegou onde chegou, começamos a pensar que “o único jeito seria acabar com tudo e começar de novo”. Quem nunca ouviu ou falou isso? Pensamento-Capitão-Nascimento. Só que esquecemos que quando matamos as formigas mas deixamos o açúcar lá onde ele está, as formigas voltam. Quero dizer que nestas mesmas condições em que vivemos, a próxima geração provavelmente nasceria igual. E seriam seus filhos. Talvez mais pobres, mais alienados, mais infelizes, mais criminosos, não melhores.

Onde houver lucro, haverá miséria. Onde houver competição (e não cooperação), não haverá bondade nem força de vontade que resista à infelicidade. São coisas inerentes umas às outras, realidade que não podemos questionar. Mas não percebemos nada disso, não fomos educados pra perceber nada. Achamos que tudo isso é muito normal e continuamos a assistir nossa TV, a ver nossas bundas e peitos, achando que o mundo sempre foi assim e que sempre será.

A arma pra combater esse sistema? Não sei, sou só mais uma ovelha nesse rebanho cabisbaixo e alienado. Mas tendo a pensar que somente o fato de nos conscientizarmos que a infelicidade não vêm da gente e sim de fora, já é um começo.

E sem essa verdade, não haverá décimo terceiro salário que cure stress de um ano inteiro adoecendo pela empresa, não haverá filho que resista à ausência de um pai, não haverá cerveja que amenize a dor, não haverá bunda que traga gozo aos homens nem antidepressivo que traga a felicidade a quem precise dela.

Enquanto isso, vamos em frente, culpados, doentes e infelizes.

9 Comments:

Chris said...

Muuuito bem, gatina!

Concordo com tudo isso e seguimos juntos, rumo a melhoria de nos mesmos.

Abaixo ao PNC way of life!

AMA,

Chris

Thaís SBA said...

Clap Clap Clap!
Bom, você sabe que sou uma das adeptas dos antidepressivos (mas parei de tomar pelo motivo que escrevi no texto anterior) e se quer saber dificilmente encontro alguma pessoa que não seja.
Justamente por tudo isso aí que você disse.
Acho que não podemos mudar o mundo, mas podemos "mudar uma planta de lugar" saca? E acho que o melhor a fazer é correr em busca pelo menos da nossa felicidade, e se isso incluir vender côco na praia, vamos vender côco na praia!
Infelizmente acredito que isso tudo só vai piorar (que eu esteja equivocada) mas olhe ao seu redor e conte nos dedos o número de pessoas que concordam com o que você disse, depois separe as que concordam e as que pensam em fazer algo por isso. E depois pense naquelas pras quais isso tudo é conveniente!
Vamos cuidar da gente pelo menos! É meio que o que nos resta neh!

Anônimo said...

Muito bom. Fez-me parar para pensar.

Messias said...

Olha muito bom! Sabe que esses dias em uma aula da pós graduação após um teste psicológico todos deveriam fazer uma auto-analise para para os demais, e ao percerber que a maioria sofria com as mesmas iquietações que eu, não vou me sentir feliz, mas ao menos aliviado, respirei fundo e pensei: ufaaa, então não é só comigo.
Mas viu, acho que é por aí, o mundo está todo doente, devemos lutar sempre, mas só de não termos essa culpa, já é um ponto positivo!

beijos

Cris said...

Linda, que saudade. Parece que a tal faculdade está te fazendo bem, rs rs rs

beijo com muita saudade.

Thaty said...

... é, caminhando e seguindo a canção!

adoooro!

Frederico. said...

Éeeee! beijos!

Frederico. said...

Éeeeee! :) Beijos!

bruno said...

Sabe, uam vez, li em algum lugar sobre doenças sociais, como o violência, o racismo, essa tristeza sem explicação que muitos sentem... E teu texto vai de encontro a isso. A única parte que provocou estranheza, não sei bem se é algum método de estudo, mas no texto só mostrava os efeitos, sem demonstrar as possíveis causas. E é aí que fodem com tudo, pois grande parte das pessoas que convivo, veêm a merda que é nossa sociedade em decomposição, mas não tempo ou instrução para refletirem sobre as causas... Daí, pra comprarem a idéia dos nossos governantes de que a culpa é dos bandidos, dos menores que não vão pra cadeia como nos EUA ou dos pobres coitados que recebem uma miséria e exigem um salário de fome maior, é facil facil. E concordo com voce, o fato de alguém perceber a origem do problema, mesmo não vendo uma solução, ja é um puta adianto! O passo seguinte, vai saber?!