terça-feira, 27 de outubro de 2009

Bin Laden

Fiquem tranquilos que esse não é nenhum texto falando sobre o atentado de 11 de Setembro, tampouco sobre o responsável pelo próprio. O Bin Laden a quem me refiro é outro, cuja única coisa em comum com o original talvez seja a barba, mas ainda assim, de tonalidade e tamanho diferentes.
Mas antes preciso voltar a história um pouco.
Quem me conhece sabe que a minha relação com a minha mãe não é das melhores. Na verdade ela tem fases, nessas últimas semanas por exemplo a gente tem até se falado, se abraçado e passado uma perto da outra sem que surjam faíscas. Mas foi num dos dias de atrito (de enorme atrito) que eu saí de casa chorando e sem rumo.
Se não me engano o motivo da briga é que eu ia fazer um corujão de cinema na Av.Paulista com um namorado novo que eu tinha arranjado, e pelo fato de eu conhecê-lo apenas há duas semanas, um corujão, na opinião dos meus pais, não era muito recomendado.
Isso porque eu veria filmes e não participar de uma orgia com 12 prostitutas e 7 travestis.
Mas na opinião dos meus pais, o cinema com um recém-conhecido era muito perigoso de madrugada, mesmo sabendo que eu já era uma adulta, e que se eu decidisse ir para um corujão com um namorado novo, eu iria, e que se eu quisesse participar de uma orgia com 12 prostitutas e 7 travestis, eu também iria, e nem eles nem ninguém iriam me impedir.
Foi uma briga logo de manhã, derivada da seguinte frase:
-Não esqueçam que hoje eu vou pro corujão e só volto amanhã.
-Blá blá blá blá blá!
-Mas eu já tinha avisado vocês que ia!
-Blá blá blá blá blá!
Entendam, queridos leitores, que os "blá blá blá" que citei, eram muito mais do que simples advertências paternas, mas sim frases sem o menor contexto que magoariam qualquer pessoa, seguidas de gritos e portas batendo. De qualquer forma, melhor não entrar em detalhes, pois isso me traz lembranças não muito agradáveis e também porque não é conveniente.
Inconformada com o tanto de absurdos que tinha acabado de escutar, bati a porta de casa e saí sem rumo.
Chorando.
Na verdade a cena "chorando e saindo sem rumo pelas ruas" é algo que combina muito com a minha vida. =X
Sim, eu era a "garota maluca que saiu chorando pela rua" que as pessoas comentam quando chegam em casa e ficam se perguntando o motivo.
Pro meu conforto, já vi garotas malucas como eu, e vi que eu não era a única que se lixava para as interrogações públicas e que as minhas lágrimas e a minha tristeza eram problemas exclusivos meus, do meu mundo.
Fui até uma praça, era uma sexta-feira, logo cedo, deveria ser umas 9h da manhã. As pessoas caminhavam apressadas, senhores abriam suas barraquinhas de frutas, mendigos festejavam mais uma manhã de porre e crianças pediam coisinhas para suas avós. E tudo passava pela minha vista como um filme irreal que acontecia fora do meu mundo.
Eu ali, sentada num banquinho da Igreja perto de casa, pensando pra onde iria, o que faria, e que estava de saco cheio dessas cenas repetitivas na minha vida: briga - sair de casa chorando - querer morrer - não conseguir conversar com os pais - querer morrer - briga - gritos - querer sumir - conversar - ninguém querer conversar - ninguém saber conversar - choro - querer morrer.
Estava cansada.
E talvez tivesse me atirado duma ponte se não fosse contra o suicídio e vai se saber o que acontece com suicidas né.
De qualquer forma, jamais teria coragem de cometer uma atrocidade dessa contra mim, mas pra não fazer nenhuma outra besteira, sempre preferi sumir pra esfriar minha cabeça.
Depois de um tempo parada no banco, com o rosto inchado de tanto chorar, como se fosse por instinto segui rumo ao cemitério.
Pode parecer maluquice, talvez vocês digam que sou exagerada, que qualquer pessoa no meu lugar teria deixado entrar por um ouvido e sair pelo outro e em vez de seguir rumo ao cemitério, teria parado num boteco e pedir um suco pra esfriar a cabeça.
Mas lembrem-se, amiguinhos, vocês não fazem idéia de como são essas brigas, e além disso a Thaís é uma garotinha com tendências depressivas, pra não dizer depressiva mesmo. Hiperativa e alegre, mas contraditoriamente depressiva.
Mas não fui pro cemitério pra querer curtir uns túmulos, como fazem os nossos amiguinhos góticos, mesmo porque eu odeio cemitérios e acho que sempre tive mais o que fazer do que ficar vendo túmulos (exceto umas duas vezes e acompanhada, por pura falta do que fazer, pois já estava lá perto). Anyway, eu só queria um lugar silencioso onde eu pudesse chorar em paz, afinal, lá é ou não é um lugar propício pra se acabar nas lágrimas?
Se tem um lugar onde ninguém se perguntaria o motivo das minhas lágrimas, esse lugar seria num cemitério. E embora eu não me importe com pessoas se perguntando sobre a minha vida (mentira, me incomodo, mas nessa ocasião eu não me incomodei cacete), enche o saco a quantidade de olhares que não te permitem chorar em paz. Normal. Eu também notaria uma garota maluca a chorar em algum canto da cidade.


Quando a gente entra num cemitério é uma coisa esquisita, parece que quando você põe o pé lá rola um "TCHARAM!" saca? Não sei explicar. Parece que tem coisas lá que se focam em você, que notam a sua presença. Parece que tudo se volta pra você. Eu pelo menos sinto isso.
Mas ignorei o Tcharam e fui seguindo pelas ruinhas tétricas da 4ª Parada.
Inevitável não ler as lápides, mas uma em específico me deixou pior do que eu estava.
Era uma foto preta e branca, de um garoto tocando uma guitarra, e pelas contas que eu fiz ele deveria ter uns 19 ou 20 anos. Morreu acho que em 2005, algo assim, agora não lembro. Mas abaixo da foto havia a frase: "Saudades de sua mãe, de seu pai e de suas irmãs".
Chorei feito uma criança traumática.
"A gente não precisa disso" pensei.
Tudo o que eu mais queria era me acertar com meus pais, mas parece que existem pessoas com as quais você não consegue se entender nunca.
É claro que amo meus pais, e é claro que temos momentos ótimos juntos, mas os momentos tristes acabam infelizmente sendo muito intensos, e acabam deixando marcas que não podem ser esquecidas tão facilmente.
De repente eu me via lá, sozinha num cemitério, e talvez naquele dia mesmo ou no dia seguinte eu não poderia estar mais por aqui e nem eles, e aí a gente perdeu nosso tempo discutindo em vez de curtir uma vida familiar normal, substituindo momentos que poderiam ser bons por momentos ridículos como aqueles.
Pra mim, o túmulo do garoto já era o suficiente.
Saí de lá.
Foda-se se iam olhar pra minha cara de choro, ficar num cemitério cheio de adolescentes
que tocavam guitarra não adiantar muita coisa mesmo.
Segui até uma pracinha que tem lá perto e sentei num banco.
Respirei fundo.
Olhei pro céu.
Foi quando de repente passou por mim a figura que dá nome a este texto.
Uma figura terrivelmente vestida, suja e com olhos azuis dignos de inveja.
Passou por mim falando alguma coisa sozinho, esbanjando bom humor, e então me sorriu.
Acho que ele não esperava que eu fosse sorrir de volta, mas eu sorri.
Então ele caminhou mais um pouco, parou, e se virou para me olhar novamente.
-Mas o que uma menina tão linda está fazendo aqui sozinha e chorando ainda por cima?
-Estou com uns problemas em casa. Não quero voltar pra lá tão cedo.
-Mas que bobagem! Uma menina como você, que tem família, não pode pensar uma coisa dessas! Volta pra casa, conversa com seus pais!
-Não dá. Não dá pra conversar com eles.
Silêncio.
-Como é seu nome, menina?
-Thaís. O seu?
-Você pode me chamar de Bin Laden! É por causa da barba! Todo mundo aqui me conhece por Bin Laden!
-Sei. Bin Laden! - Não pude deixar de esboçar um sorriso. - Qual o seu nome verdadeiro?
-Maurício! Maurício de Carvalho! Olha aqui, eu tenho documentos viu! - no mesmo instante tirou do bolso uma porrada de papeizinhos junto ao RG. E estava lá "Maurício de Carvalho".
-Eu moro na rua, mas tenho aqui os meus documentos!
Bom, alguns minutos se passaram e eu fiquei lá trocando algumas idéias com ele, o que fez com que eu me sentisse bem melhor do que estava, me fazendo tirar uma foto mental da garota de classe média sentada num banco conversando com um mendigo de igual pra igual. O que não é sempre que se vê por aí.


Depois tive que ir embora, uma amiga iria me buscar de carro lá perto e ele não permitiu de jeito nenhum que eu fosse sozinha até a rua de cima. Fez questão de me acompanhar.
-Thaís, eu moro na rua, mas sabe que tudo tem o seu lado bom? Eu conheço tanta gente que vale a pena. Você por exemplo! Se eu estivesse na minha casa agora, eu jamais teria te conhecido.
Me despedi de Bin Laden frente ao carro da minha amiga, apresentei os dois, que ficaram falando sobre a Bíblia por quase 10 minutos. Prometi ao Bin Laden que voltaria, e alguns dias depois cumpri minha promessa, me recordando da frase que ele havia me dito antes de virar a esquina:
-Se você realmente vier me visitar, pode falar pro pessoal lá que você é amiga do Bin Laden! Se você disser isso, ninguém vai mexer com você! Todos vão te respeitar!
Naquele dia que o conheci eu sumi, minha amiga me deixou no metrô e de lá não vou dizer pra onde fui, mas eu fui e só voltei pra casa no dia seguinte umas 14h. Não, eu não
estava numa orgia com as prostitutas e os travestis.
Quando cheguei em casa, ninguém perguntou pra onde eu tinha ido, ninguém falou comigo e depois eu nem lembro o que fiz o resto da tarde.
Mas também não importa.
O que sei foi do dia em que eu voltei para vê-lo.
Quando cheguei no fundo da praça, perguntei por ele, mas ele não estava.
-Quem é você?
-Sou amiga do Bin Laden.
-Amiga? Bonita desse jeito? Novinha desse jeito?
-Onde ele está?
-Ele foi entregar uns panfletos no Cabral ("balada" lá perto) e daqui a pouco deve estar de volta. Enquanto você espera ele aí, poderia nos emprestar o celular para ligarmos pro Samu? O "fulano" lá está tendo um ataque epilético de novo.
Quando olhei pro lado, um mendigo babando se debatia no chão.
"Deus é pai" - pensei. - Mas quase dei risada ao imaginar a cara dos meus pais se me vissem parada no meio da praça rodeada de mendigos curiosos a meu respeito.
Liguei pro Samu, que veio buscar o fulano do qual não me lembro o nome, e na hora em que o estavam colocando na maca, me virei para trás, como se eu soubesse que ele estava chegando.
-Mas ela veio mesmo!!!!!
Nos abraçamos como é típico daquelas amizades especiais que a gente encontra pela vida.
-Eu trouxe um caderno. - eu disse - Você havia comentado comigo que sabia escrever poesias e eu quero que você escreva uma pra mim e assine.
Ele não acreditou.
Repetiu que era uma honra incontáveis vezes...e passou a dizer que eu era "sua rainha Ester". Ai ai.
Rainha Ester...hahaha...
De qualquer forma, é graças àquele nosso momento juntos que hoje posso mostrar à vocês isso aqui:


"Eu não posso duvidar - por Maurício de Carvalho
Se me atinge a aflição
Se o momento me é cruel
Se a dor provoca o pranto
E a tristeza tira o encanto
E escurece no meu céu
Sem saber do amanhã
Indeciso me encontrar
Se o minuto ainda vem
Mil tristezas ele tem
Eu não posso duvidar.
Não duvido pois eu sei
Que Jesus meu grande Rei
Ele está sempre a me proteger
Ele está sempre a me guardar
por maior que seja a prova
Minha fé mais se renova
Com Jesus hei de vencer
Eu não posso duvidar".


Muito bem escrito, lembrando do detalhe que ele é mendigo e não deve ter estudado muito. Na verdade, eu achei essa poesia linda.
Bom, resumindo a história, senão vai ficar muito grande...
Naquele dia ele me acompanhou até a Avenida que eu teria que atravessar pra voltar pra casa, e quando havia atravessado a primeira rua, eu me virei, mandei um beijo, e com as mãos ele fez um coração no ar.
Depois daquele dia ainda voltei algumas vezes.
Uma vez voltei e ele estava dormindo. Daria uma fotografia bonita. Eu lembro que ele estava bem rosa enquanto sonhava.
Outra vez voltei com uma amiga minha, e ele fez questão de pagar uma tubaína pra gente no bar.
Desta vez ele estava bebaço. E isso me fez lembrar agora de uma circunstância onde eu havia perguntado o motivo de ele beber tanto. Mas é óbvio que eu já deveria ter adivinhado. Qual é o único motivo que leva a beber uma pessoa nessas condições?

"Bebo pra esquecer que eu existo".

E foi com ele bebaço daquele jeito que a gente descobriu que já faz alguns anos, ele foi internado numa clínica psiquiátrica por ter esquartejado não sei quem, mas diz ele que a pessoa queria fazer mal à ele. Vai saber. Aí ele cumpriu uns anos e depois saiu.
Foi nesse mesmo dia que ele tentou pegar no meu peito e perguntou se eu e minha amiga nos depilávamos.
-Ah um pouco a gente tira né, senão vira a Amazônia. (Thaís eu não acredito que você me trouxe aqui pra contar sobre detalhes da minha xana pra um mendigo) - sussurrou ela.
-Como eu ia saber que ele ia perguntar da nossa depilação, filha?


Tudo bem, tudo bem. Ele poderia nos esquartejar se quisesse? Podia!
Ele poderia nos estuprar? Podia!
Ele poderia nos perseguir? Podia!
Mas a situação foi tão ridícula que chegou a ser engraçada, mas séria o suficiente pra eu não voltar mais lá, afinal, se dessa vez ele havia perguntado da minha depilação e tentado pegar no meu peito, da próxima vez ele me traria cera depilatória e camisinhas!
Não voltei lá. Se eu tivesse noção de que o mesmo cara das poesias poderia me esquartejar um dia caso eu negasse fogo...
Bom...Hoje, mais de um ano depois, eu fico pensando nessa história me achando um pouco bizarra e sem noção.
Mas fazer o que?
Eu sou um pouco bizarra e sem noção.
Alguns nascem bem humorados, outros nascem de mal humor, outros nascem com o dom de ser padre, outros nascem um pouco bizarros e sem noção...outros nascem completamente bizarros e sem noção.
Se bem que, perto de muita gente eu não passo de uma ovelha comum no meio do rebanho.
Tem gente que diz que eu sou completamente sem juízo. O meu ex namorado (namorado naquela época, se bem que fiquei tão pouco tempo com ele que nem deveria considerar aquilo um namoro), havia achado minha atitude linda. "Oh que amor, ela faz amizades com mendigos". Mas o que esperar de um estudante de teatro que adora analisar pessoas do nada, e que chegou a conclusão através do meu olhar, que eu era capaz de carregar ódio em meu coração, só porque eu estava seriamente comendo uma esfiha de carne? Affe como tem gente que adora uma seção psicanálise. Saca? Gente que curte analisar os outros e chega às conclusões mais absurdas através das coisas mais bestas, nos momentos mais inoportunos?
FILHO EU TAVA OLHANDO A ESFIHA QUE EU TAVA COMENDO, NÃO TAVA ODIANDO A HUMANIDADE! Meeeuuu, da onde você tirou isso, cara?
Pronto! Isso tava entalado.
Bom, mas a questão é que eu não saio por aí fazendo amizade com mendigos (assim como não saio fazendo amizade com qualquer pessoa) metida à "Garota-Caridade" como ele deve ter pensado. Tampouco acho que são pessoas "especiais" como acham alguns metidos à Nossa Senhora. Tipo...mendigos são mendigos, padeiros são padeiros, crianças são crianças, ornitorrincos são ornitorrincos.
Maaaaas....cada pessoa tem sua peculiaridade. Alguns acham lindo garotas que usam minissaia. Outros, ficam babando numa loura de cabelos compridos. Uns preferem mulatas que usam decote, e outros, preferem garotas que curtem mendigos. Quer dizer, na cabeça dele, eu curtia mendigos.
Não é porque você come açaí com ovo uma vez que você sempre comeu e sempre vai comer. Se numa circunstância você quiser comer ou a situação pedir que você coma, você vai comer...ou não vai. Mas enfim.
Já meu atual namorado quando soube da história, fez questão de arrastar seu queixo pelo chão, dizendo que tudo foi um absurdo e que "como eu pude deixar um mendigo dizer essas coisas pra mim e ainda passar a mão no meu rosto e me pedir em casamento, não prometendo sexo por ser broxa mas tudo bem, por que a língua ainda funcionava?"
Tá, eu concordo com ele, mas como raios eu ia adivinhar que o velho ia me dizer esse monte de merda? Vai trouxa, fica dando trela pra mendigo!.
A história é bizonha. Ponto! E talvez eu não tenha mesmo noção da realidade, ou talvez eu tenha mais noção da realidade do que a maioria das pessoas. Talvez todo mundo seja muito acostumado com as coisas e eu não, talvez seja o contrário, mas às vezes eu tenho ataques de "e por que não?" e acabo fazendo umas coisas malucas que ao meu ver não são. A questão é que (voltando ao assunto), querendo ou não, Bin Laden pode ser um amor de pessoa e escrever livros de poesias incríveis (que ele lembra tudo de cabeça), mas não está lá porque é santo. Pra maioria das pessoas é muito óbvio o motivo pelo qual a maioria delas não dá trela pra mendigos...mesmo porque, elas evitam pessoas que falam sozinhas, dançam sozinhas, dão risada sozinhas e fedem. Para muitos, mendigos são sinal de audiência no Youtube, para outros, são a escória da cidade. Pra mim nada em relação a eles era óbvio, a não ser o básico, afinal, "por que não?" Afinal, são seres humanos como eu. Aliás, ainda me resta alguma parte da essência teatral que diz que se deve respeitar as pessoas independente de quem sejam e da essência aquariana que não tem tabus em fazer amizade com qualquer pessoa (desde que não façam coisas que fujam muito dos meus princípios).Mas pra maioria das pessoas é óbvio um monte de coisa, a questão é que muitas delas não fazem algumas coisas simplesmente porque não fazem, porque dizem pra não fazer, porque são acostumadas a não fazer. Eu sou assim, todos são assim. Inclusive já melhorei muito, eu já fiz coisas muito ridículas ao longo da minha vida e já agi feito uma completa retardada só por querer ser diferente e fazer o que ninguém fazia.
Hoje não preciso disso (não muito), só quando a síndrome do "e por que não" fala mais alto do que minhas boas maneiras.
Em algumas ocasiões eu "prefiro métodos empíricos" mesmo, o que faz com que por mais que eu seja meio sonsa em relação a isso, pelo menos tenho algumas histórias como essa pra contar. Isso porque esse texto é só um resumo, ainda há muito mais coisas que eu poderia contar aqui. Poderia contar dos mendigos que conheci, que lembro o nome da maioria deles, poderia falar que o cachorro do Bin Laden chamava Mortadela e tinha mais uns dois ou três que não me lembro o nome. Poderia falar aqui do mendigo que chamava Marcelo, que andava com uma muleta e tinha incendiado a própria casa. Poderia falar que uma semana antes de conhecer o Bin Laden, um dos amigos dele havia morrido doente lá na praça. Poderia falar que Bin Laden catava papelão na rua pra conseguir comprar algumas comidas pra ele e pros amigos. Poderia falar que um dos mendigos achou que eu era de alguma comunidade católica e me pediu uma calça nova. Poderia falar que tem mais uma poesia linda que o Bin Laden me escreveu, mas eu deixei o papel lá em casa. Poderia falar que eu decorei a poesia lá em cima que digitei pra vocês lerem e em uma das vezes que eu o visitei, eu recitei a poesia pra ele sem ler e ele morreu de orgulho e se sentiu importante.


Poderia dizer que essa história toda vai ficar na minha cabeça pro resto da vida. E quando eu for uma velha caquética, em vez de contar pros meus netos o que "aprontei quando jovem" tipo aquele texto que fala "ah o verão é a estação da perdição e tudo o que acontece no verão é o que você vai contar pro seus netos", enquanto todo mundo vai contar sobre os porres que deu na praia, os namorados escondidos, eu vou contar sobre a minha amizade com mendigos que esquartejavam pessoas e escreviam poesias.
Eu dou risada de lembrar do Bin Laden que me disse um monte de pornografia, tenho medo do Bin Laden que esquarteja pessoas no passado, mas o Bin Laden que sentou ao meu lado pra conversar num banco qualquer da cidade, e que escreveu uma linda poesia no meu caderno, eu lembro com uma ternura quase surreal, como se ele não existisse.
E lembrar dele, me dá ainda mais a impressão de que se minha vida fosse um livro e eu fosse uma leitora qualquer, esse ia ser um capítulo que eu jamais esqueceria.
Na verdade, se isso fosse um livro mesmo, eu seria a moça que teve uma leal amizade
com o mendigo pro resto da vida, e ele a ensinou as coisas simples e de valor e ambos cultivaram momentos mágicos de amizade.
Mas não, na realidade, a maioria dos mendigos quer comer a garotinha bonitinha de 20 e poucos que caiu de pára quedas na vida deles por alguma circunstância, ainda mais se essa mocinha se perguntar "e por que não ter uma amizade com um mendigo?"
Aí já era! Bora ser esquartejado!
Por que quem esquarteja uma vez, esquarteja outra né.
Vai que ele me pedisse 1 real um dia que estivesse bêbado e eu não tivesse?
Hoje minha vida poderia estar em pedaços...literalmente.
Eu sou uma garota esquisita, convenhamos.
Mesmo porque, muitas vezes "os que dançavam, foram considerados insanos por aqueles que não ouviam a música".
E eu estou sempre dançando por aí
Mas como todo ser humano comum, não é toda música que escuto, e também já cansei de ver gente dançando no silêncio.
Afinal, por mais peculiaridades absurdas que tenhamos, todos temos um ponto em comum, porque o clichê está corretíssimo em dizer que de perto
Ninguém é normal.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Tristeza social

Aconteceu ontem. Uma menina potencialmente inteligente, do alto dos seus vinte e poucos anos, numa aula qualquer sobre políticas públicas, falou umas frases defendendo o uso do "caveirão" (carro de guerra blindado do Batalhão de Operações Policiais Especiais, da PMRJ). Deu briga.

A aula era sobre cidadania, políticas públicas, quais melhoras já ocorreram, quais precisam ocorrer, pelo prisma governamental, com base na nossa constituição e suas diversas manifestações (organizações regionais e estaduais). E surgiu um assunto muito bacana chamado "criminalização da pobreza". Basicamente ele coloca toda a farinha no mesmo saco, ou seja, se é pobre é ladrão e traficante. Um sociólogo percebeu que isso está ultrapassando fronteiras e se tornando um preconceito de todos, demonstrado em atos diários como a não contratação de pessoas que moram em lugares perigosos (isso vem acontecendo muito no RJ). E aí chegamos no assunto violência gerando violência, e sei lá porquê motivo alguém mencionou o Caveirão.

Antes da discussão, alguns fatos: somente 3% da população é considerada por especialistas como psicopatas ou sociopatas, ou seja, pessoas que fazem de tudo para satisfazer seus prazeres sem sentirem culpa ou remorso genuínos. Essas pessoas não têm tratamento, precisam mesmo ficar isoladas da sociedade. Porém, os outros 97% dos criminosos, está no crime por pura contingência: foi mais fácil esse caminho, ou ainda, a outra opção estava muito distante. Posto isso, podemos constatar que numa sociedade bacana que os provessem de oportunidades, 97% dos criminosos teriam recuperação.

Voltando à briga, o senso comum se manifestou através dessa menina, que disse as frases básicas que já ouvi de muita gente por aí: "tem que matar todo mundo e começar de novo mesmo", "violência tem que ser punida", "ladrão tem mesmo que morrer" e "os fins justificam os meios". Quando questionada se ela não achava que a violência deveriaser olhada pelo prisma da causa (desemprego, fome, desespero social) e não da consequência (crimes em sí), ela respondeu: "política social leva muito tempo pra acontecer, precisamos punir enquanto isso".

O que ela não percebe - e toda a nossa sociedade que pensa assim também não percebe - é que desde SEMPRE a política social demora. Ou seja, ela NUNCA funcionou. E provavelmente nunca vai funcionar. Mas, ao invés de discutir o porquê disso, ficamos discutindo se é certo ou não policial blindar um carro e disparar 140 tiros por minuto contra a sociedade, composta de criminosos E de inocentes.

A metáfora é a seguinte: vamos num supermercado (que neste caso representa o governo), damos dinheiro a ele, pagamos por um produto que o supermercado teria condições de nos dar, porém ele nos diz: então fulano, não vou te entregar o produto agora e não sei quando te entregarei. E aí, nós, acostumados que estamos com isto, aceitamos a falha do supermercado e vamos brigar entre nós por comida. Nos matamos por algo que deveríamos exigir lá do supermercado.

Nunca discutimos os motivos pelos quais as políticas públicas não funcionam. Discutimos a morte, o caos. Mas não os motivos. Culpa do pão e circo, culpa das pessoas que mandam no sistema, burguesia que domina não só a política, mas os meios de comunicação e as empresas de bem de consumo. Por causa desse sistema, não é muito lucrativo acabar com a seca do nordeste, com a educação precária. Pra quê munir as pessoas de arma contra essa mesma burguesia? Mas também, culpa das pessoas que poderiam ver a situação como ela é, e decidem continuar cegas, mesmo depois de uma discussão como essa que aconteceu em sala de aula.

A pergunta que ficou e não teve resposta: porquê então não usamos o Caveirão lá no Morumbi, nas casas ricas, se lá naquele bairro também estão os traficantes?