Existem certas cenas que ficam guardadas na nossa memória como se fossem fotografias. Tenho um arquivo na minha memória onde vou guardando algumas, ms quantas delas já não foram apagadas com o tempo? Tenho medo às vezes de esquecer momentos incríveis da minha vida quando eu já for bem velhinha e deixá-los guardados na escuridão de uma das gavetas da lembrança.
Por isso hoje resolvi escrever sobre duas fotografias não tiradas que estão gravadas na minha memória como um quadro pregado numa parede do meu quarto, para que toda vez que eu ler este texto, eu me lembre destes dois fatos que me marcaram e que dariam lindas fotos, ou quadros ou papéis de parede do windows.
A primeira fotografia é a da minha cara quando vi meu priminho impresso.
Calma! Ninguém colocou o coitado numa impressora. Não literalmente pelo menos.
Minha tia, irmã do meu pai, está grávida. Ela tem 32 anos sendo que dez deles morou na minha casa e dormiu no mesmo quarto que eu, portanto, nossa relação é como de irmãs, não obviamente de tia e sobrinha.
Faz umas duas semanas fomos conhecer a família do namorado dela, e durante o café da tarde, ela pegou os papéis do ultrassom para que pudéssemos ver a foto do novo (ou nova) integrante da família. Mal pude me conter quando vi aqueles 4 centímetros de pura inocência com o bracinho levantado impresso naquele papel. O bracinho, a perninha, uma cabecinha representada por um borrãozinho de tinta envolto numa proteção redonda. Enquanto algumas pessoas me perguntam como eu posso me emocionar com um borrão no papel, eu me pergunto como é que elas podem não se emocionar com aquele borrão no papel, levando em consideração que aquilo não é apenas uma macha de tinta, mas um ser humano a se desenvolver magicamente numa barriga humana.
E a fotografia seria minha, segurando o papel do ultrassom, sorrindo de encantamento e com os olhos úmidos e brilhantes por conhecer meu primo / sobrinho pela primeira vez, ainda na barriga da mãe que desde que conheço tinha o sonho de ter um bebê.
A outra fotografia seria assim: Eu com os braços levantados olhando para cima e dando risada ao lado do meu namorado, rodeada de crianças em volta gritando de alegria na frente de um Papai Noel de mentira cercado de luzes, enquanto caía neve de espuma na Rua Normandia lá em Moema, a rua considerada a mais enfeitada de São Paulo na época do Natal.
Uma chuva de vida.
Simplesmente vida por si só. Um momento que me aproximou do céu.
Uma foto digna de publicação em todos os lugares, para todos os amigos, inclusive no meu álbum do orkut, que se destacaria entre tantos outros álbuns que hoje guardam milhões e milhões de fotos iguais de seus participantes. Por exemplo, aquela foto que as garotas costumam olhar pra cima enquanto seguram o celular do alto, fazendo caras de sexy, cruéis, masoquistas por trás de um ar sonso. E todas possuem nicknames que geralmente terminam em Á e vários H's seguidos. Exemplo: "MáááhhHH" ou "NáHHhH" ou "SáááHhHh" ou CááHhHh(cááhRAlho!).
Na verdade é até bom que eu toquei nesse assunto, porque o Orkut é uma coisa engraçada mesmo, você começa a fuçar e a fuçar e não consegue achar nada, absolutamente nada original.
Por exemplo, nas descrições encontramos o famoso "no scrap, no add!" e depois as descrições que vão desde "sou uma pessoa muito extrovertida" até "pra saber, só me conhecendo mesmo". Inclusive já escrevi um texto sobre isso no meu antigo blog, que pretendo postar aqui da próxima vez, para que possamos juntos refletir sobre o mal que assola a humanidade: a falta de orginalidade. Puta que pariu.
Depois vem o fatídico álbum, que quase sempre contém quase que obrigatoriamente um kit de (no caso das garotas):
-Três ou mais fotos delas usando aquela bota ortopédica que está na moda e fazendo cara de quem quer dar mas na hora chora. (Aliás, uma vez na rua tentei contar quantas garotas com a tal bota passavam na minha frente e antes que eu enlouquecesse e batesse a minha cabeça no asfalto por achar que o mundo estava sendo invadido por elas, resolvi finalizar a contagem e ir tomar um sunday pra relaxar.)
-Uma foto da melhor amiga cujos dizeres abaixo resumem-se em "alguma coisa" + "você é muito especial pra mim".
-Uma foto da tatuagem de estrelinha, ou florzinha, ou fadinha, ou coraçãozinho, ou gnominho, ou anjinho. Por que não tatuar um pau de macarrão? Ou um ovo frito? São sempre as mesmas tatuagens, reparem.
-Uma foto de alguma galera de não sei de onde e uma descrição obviamente contendo algo como "Galera foda do CTDAP - Clube de Tingidores de Asfalto Paulista. - Esse dia foi foda, né Fulana? Rsrsrsrs"
*Só uma observação: "rs"? O que elas querem dizer com "rsrsrs"??. Por acaso seria: Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul???? Quem que ri falando a sigla de tal Estado gaúcho? Sim, porque nunca vi um ser humano pronunciando "rsrsrsrs" quando está rindo. Só uma observação, eu sei que "rs" significa "risos", mas não consigo não imaginar na sigla do Rio Grande do Sul quando leio isso.
No caso dos homens tem quase sempre o símbolo do time, a temida foto da galera foda e alguma foto deles de boné mostrando os "ossos" musculosos ou a tatuagem de dragão ou tribal, porque a tatuagem é sempre de dragão ou tribal. Ou de um dragão com tribal. Oooopa! Já ia me esquecendo! Os ideogramas chineses! Todo mundo tem um hideograma chinês. Preciso pedir socorro. Somos brasileiros! Que mania de tatuar coisa em outra língua! Às vezes o cara não sabe nem onde fica a China, não sabe distinguir um chinês de japonês e adere ao ideograma oriental por que? Ohhh, temida resposta: Porque está na moda! (Música de filme de terror de fundo!)
Moda, moda, moda! Argh! Tudo gira ao meu redor, acho que vou desmaiar! Ou talvez não! Pode ser um vírus ou uma bactéria que se instala no corpo deles e começa com uma leve coceira, depois com uma mancha vermelha e quando ele menos espera, acorda, olha para o braço e se depara com um terrível ideograma chinês! E assustado ele levanta estapeando o próprio braço na esperança de tirar tal mancha e diz: "Oh! Um ideograma chinês! Como isso foi parar no meu braço?"
Sim, sim, aderi à música da Usurpadora de trilha sonora do meu primeiro texto.
Ah claro, como pude me esquecer! Tem no álbum também a foto bebendo a "breja", a "loira gelada" sendo segurada por um marmanjo besuntado e de óculos de sol.
A questão é que o orkut de todo mundo é sem profundidade, o álbum de todo mundo é sem profundida, exceto o das pessoas com profundidade, com alguma coisa de real pra se dizer, com alguma coisa de real de para enxergar e querer mostrar, sem aquele desespero de querer superar a todos contraditoriamente sendo igual a todos.
Todo mundo querendo mostrar auto confiança, todo mundo querendo mostrar que é sexy e inabalável, todo mundo querendo mostrar que tem milhões de amigos, todo mundo querendo mostrar que é "foda e que anda com uma galera foda", todo mundo querendo mostrar que "sua inveja faz a minha fama" e que "sou legal, não tô te dando mole", todo mundo querendo ser exatamente igual a todo mundo e chorando à noite no travesseiro por ter tanto medo de ser diferente.
Tudo bem, pode haver as exceções que se enquadram em um ou outro perfil que citei aí em cima, mas não é possível que seja coincidência demais todo mundo ter as mesmas fotos, as mesmas descrições e os mesmos blá blá blás.
Eu sou a favor daquele tipo de foto onde a gente vê tanto sentido que quase mergulha na lembrança junto, que a gente é quase capaz de sentir o que a pessoa traduz no olhar. Foto para que eu tenha orgulho de mostrar só assim, quase viva! Onde vocês quase poderiam sentir o papel do ultrassom que eu segurava ou sentir o geladinho da neve de espuma que pousava nos meus braços aquela noite.