sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Salve Jorge


Jorjão levanta da cama, quando consegue uns bicos de pedreiro ou de chapa, veste sua calça menos surrada, a camisa de sempre, dá um beijo na mulher que dorme com os mesmos bobes na cabeça de quinze anos atrás e sai pro mundo. Entra na fila do seu metrô lotado às cinco e meia da manhã. Adora o cheiro das mulheres logo cedo. No caminho, dá um sorriso porque seu time de futebol está quase completo: o décimo filho está a caminho, mais um molequinho pra aumentar a renda em casa.

Como todos aqueles dias em que há trabalho, tira o pente do bolso da frente da camisa e dá aquela ajeitada no cabelo, anuncia a novidade, logo convidando o pessoal pra cair no samba, lá no alto do Capão Redondo. Jorjão chama Jorjão e não Jorginho porque não consegue ficar longe de uma rabada, uma buxada, uma feijoada, uma cervejada. Nem de um rabo de saia. Casou com dezesseis anos, o pai era da igreja e fez questão de honrar a família da menina que o filho tinha desvirginado, o pastor até perdoou.

Nada mal para seus trinta e seis anos, pensava. A mulher era passadeira em casa de família, vez ou outra dava para fazer um bate e volta na praia com a Kombi dos "truta". E que felicidade era poder abrir o guarda-sol, tirar a sua geladeirinha de isopor e beber a cerveja mais esperada do ano, olhando pro infinito malcheiroso do litoral sul. O emprego fixo de metalúrgico tinha ficado pra trás, mas o barraco de alvenaria era próprio.

Fez o primário e sabia ler, assim como metade de seus filhos. Um deles, ele havia perdido pra vida, aviãozinho do tráfico. Gostava de pegar o jornal e acabava dormindo em cima dele, depois de ler a parte de esportes. Nas eleições, votou num candidato engraçado lá do programa eleitoral que seus amigos indicaram. E quando a Belinha resolvia baixar a guarda, a vida ficava doce: passavam a noite no banheiro do barraco de dois quartinhos, como dois coelhos, ela com a sua bunda enorme de mulata brasileira e ele com a sua barriga de marido de mulata. Ela torcia para não ficar grávida, ele pouco se importava com isso.

E viviam a vida. Algum de vocês sabe o que eu mais invejo no Jorjão, no José, na Maria, na Marluce, na Josilde? A capacidade de viver na merda e rir disso tudo. A felicidade ingênua da irresponsabilidade. A falta do medo, da vontade, da saudade. A completa falta de idéia do que pode e irá acontecer e as conseqüências do que virá. E enquanto eu, parada no trânsito da Raposo Tavares, tento ao mesmo tempo ler um livro que acho importante dentre os milhares que não li e pensar nos porquês dos porquês, eles jogam tudo pro lado e vão sambar.



terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A Tatuagem que não é minha.

Como está sendo o começo de ano de vocês?
Ouvi dizer esses dias algumas pessoas falarem "Nossa! Esse ano está passando rápido!" e blá blá blá. Rápido? Não para mim. Tantas coisas aconteceram desde o primeiro dia do ano que me fez perder a noção do tempo. De repente abro os olhos e estou em Fevereiro. Meu Deus! Ainda em fevereiro? Mas aconteceu tanta coisa! Tanta coisa em um mês que não aconteceu em 1 ano na minha vida!

O meu final de ano, caso estejam interessados, foi bastante conturbado.
O que acontece é que nos últimos anos eu resolvi presentar meu corpo e minha alma com uma tatuagem. Na verdade eu não me "presenteei" com uma tatuagem, eu simplesmente a quis demais e de tanto querer isso foi se tornando uma necessidade. E assim foi, ela ficou lá, inerente à mim.

O tempo passou, os meses passaram e no começo deste ano a tatuagem começou a me fazer feridas. E as feridas cresceram. E sangraram. E sim, eu quase morri de hemorragia, e eu ainda teria de arrancar um pedaço da minha própria pele, pois nesse caso, não ia adiantar tirar a laser...eu realmente teria que arrancar um pedaço de mim. E ia doer. Eu sabia que ia doer, e eu JAMAIS contei com a hipótese de me desfazer dela, afinal, agora era parte de mim, oras.
E pouco a pouco, em meio à dor e ao sangue, comecei a me lembrar que a tatuagem não era parte de mim, era uma daquelas tatuagens que a gente cola igual adesivo, sabe? Mas eu havia me esquecido dessa parte fundamental da história. Eu havia me cegado. Então tive que começar a árdua tarefa de arrancá-la das minhas células. Pouco a pouco. Uma puxadinha a cada dia, uma dor a cada dia, e eu não conseguia arrancar tudo de uma vez. Como um band-aid. Mas no estágio final doíam tanto aquelas feridas, doíam tanto, que eu não tive escolha, tive de arrancar tudo num rápido puxão. E doeu tanto que achei que tinha arrancado um pedaço da minha pele, e doeu tanto que literalmente apaguei de dor. Meu cérebro não aceitou a realidade daquela dor, daquele momento.

Acordei. Um tempo depois. E é engraçado que ao mesmo tempo em que me senti esquisita, também me senti aliviada. Esquisita por ter arrancado de mim algo que conviveu tão intensamente comigo durante quase 2 anos, e aliviada porque não havia mais dor. Não teria como existir mais dor. Encontrei meu limite, mas não o obedeci. Dei-lhe um chute no saco e o ultrapassei, machucando-me ainda mais, prestes a ter uma infecção generalizada de corpo e alma, aprendendo que eu nunca mais devo ultrapassar meus limites e abafar minhas células com a cola nociva de uma tatuagem de plástico.

Passaram-se alguns dias e um dia, após o banho, olhei-me pela primeira vez no espelho sem a tatuagem. E aquela estranha olhou nos meus olhos como se tivesse encontrasse algo que estava perdido, como se estivesse pedindo para entrar de novo na casa que ela mesma deixou. E então eu a enxerguei mais detalhadamente, mais magra, cabelo mais curto, olheiras mais fundas, mas ainda assim, era ela. E então nós nos olhamos e eu me reconheci. E eu a abracei porque senti saudades. E eu a fiz prometer que nunca mais me deixaria por causa de mais nada, de mais ninguém.

Ela era minha, mas foi embora de casa porque não queria que eu me tatuasse.
Acalme-se! Não pretendo cometer o mesmo erro. - eu disse a ela.
Hoje, vida completamente nova, diferente, e eu morando com uma inquilina completamente diferente do que eu conheci quando era mais nova, mas ainda assim, a mesma pessoa, e melhor. Com a fome de seus sonhos ainda mais voraz.
Somos uma da outra e de mais ninguém! Foi assim desde o momento em que nascemos e será assim até o momento de nossa morte. E eu não posso me esquecer disso nunca mais. Eu não posso colocar mais ninguém à frente dela. E eu já sabia disso tudo, ou então, eu achava que sabia.
Por Deus. Eu a havia traído.
Mas ela ainda tem amor suficiente por mim para ter me perdoado.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Petit Manifesto

Quer receber cantada em balada gay - toda vez - e é mulher? Pergunte-me como.

Não me acho mais bonita ou gostosa que ninguém, cada um tem sua beleza e não é disso que estou falando. O fato é que alguns tipos de homem, entre aspas, pedreiros, motoboys, héteros (ou não) escondidos em baladas não ortodoxas, médicos sem escrúpulos e etcéteras, devem se sentir atraídos pelas mulheres que sentem nojo de suas investidas estilo Wando. Não pode ser outra coisa.

Já fui atacada pela mão nojenta de um motoboy em pleno trânsito da Radial Leste, através da minha janela. Ele queria fazer carinho no meu rosto, tadinho. Já fui perseguida por tarado em pleno metrô, onze e tantas da noite, voltando da pós, saindo por uma porta de funcionários, uma saída estratégica para cair pertíssimo da minha antiga empresa, pegar o carro e ir pra casa. Um homem, de terno, grande, começa a andar atrás de mim. Não tenha medo - penso - isso é ridículo, não está acontecendo nada, estamos no ano dois mil. Que erro. Logo percebo que ele está quase bafejando no meu cangote com cara de tarado e em dois segundos penso: se eu bater nele, tenho que bater forte, pode ser que ele me derrube e aí fodeu. Não tenho tanta força, melhor correr. Corri pela escada, sem olhar pra trás e consegui despistar o cara. E ao chegar no carro, desejei ter batido nele até que suas bolas saíssem pelos olhos. Quase voltei.


Fazendo um exame das veias da perna, de calçola (coloquei a maior que eu tinha), ouvi do médico, sem nenhum tipo de pré-conversa: nossa, que calcinha linda, o que está escrito combina com você. Eu me recuso a contar o que estava escrito. Só pedi para sair da sala e ele disse que já tinha acabado o exame, o safado. Dedei ele pelo site do laboratório. Fui boazinha de não processar a empresa.

Na night, pode ser ainda pior, basta ter mais de dois quilos e mais de dez dentes na boca. Certa vez um baixinho quase apanhou do meu namorado, na verdade ele podia até apanhar de mim, eu era dois metros maior que ele. Na balada gay, me chega um: meu amigo ali quer te conhecer e não aceita não como resposta. Uó, voltei aos quinze anos de idade em pleno Mundinho. E outro: gata, dança comigo ali (apontando pro escuro)? Não, querido, eu tenho síndrome do intestino irritável e ele está quase irritado. Fora que meu namorado está logo ali, ó.

Meninas, eu sei que algumas de vocês analisam o peso pela quantidade de cantadas dos pedreiros na rua, mas reajam: respeito é bom e a gente não só gosta como tem direito. A vida às vezes parece um comercial de cerveja com menor proporção de felicidade, não?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Lágrimas, Sol e Poesias Não-Poéticas.

Eu te enxergaria à distâncias...e mesmo assim com alguma coisa subentendida.
Eu te veria através, porém, misteriosamente escondido por trás da própria transparência.
Eu te roubaria num beijo, como aqueles beijos que nascem num segundo eterno e morrem antes da eternidade!
Eu te ganharia num toque, como aqueles toques com trilha sonora de fundo, acompanhados de um olhar vindo de baixo para cima.
Mas como as únicas coisas no mundo que não são nossas são as pessoas e como eu não te roubo em um beijo e sequer te ganho num toque, e muito menos te olho nos olhos, me contento em respirar teu perfume, contemplar teu sorriso e sentir teu mistério no espaço entre nós dois.
Silencioso como silencia a morte, encantador como encanta a vida!
Teu sorriso ilumina um mistério regado à não sei que! Um fluido de dúvidas e curiosidade, que aumentam mais e mais ao deparar-se com a contradição que são teus olhos.
Suave como um suspiro e suplicante como uma prece.
Apagando os raios solares com as lágrimas e renascendo uma manhã com um coração vazio e fascinante!
Muitos são parecidos, tantos são tão iguais. Mas só você sabe ser você.
Cristal muito mais que lapidado e muito mais brilhante do que o próprio brilho.
Teu olhar é tão triste que chega a doer na alma
E teu sorriso é tão puro que chega a escorrer no sangue!
Eu ficaria horas só falando de você.
E você lá do outro lado com o coração ocupado em amar um alguém.
Gosto de você.
Gosto de você como se gosta de um fim de tarde de quadro.
Gosto de você como se gosta de um sonho sem fim.
Gosto de você como se gosta de um retrato do céu.
Gosto de você como gosta a brisa dos mares
Gosto de você como a lua gosta do amor.
Fixaram você como tatuagem de luz lá no peito.
Perturbadora e angelical.
Assim é tua índole
Destruidora e doente
É o gosto desesperador da tua ausência.