quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Nostálgico Enredo

A infelicidade alheia não seria um problema se não afetasse a felicidade do próximo.
E nós aqui clamando justiça.
E nós, reles humanos
Que queríamos ser cantores, dentistas
Que queríamos sapatear como Fátima Bernardes no fim do ano (há anos atrás) na Rede Globo.
Que queríamos água quando tínhamos sede
E só recebemos pão.
E que queríamos comer
Mas só tínhamos água
Sal
E meio limão.
Nós
Que queríamos fôlego
Que queríamos comprar um sofá em prestações
Que queríamos comprar a tão sonhada casinha
Ter o tão sonhado bebê.
Que queríamos tirar os haitianos da miséria
E acabamos miseráveis morrendo como eles
Em meio a infinitos mortos tomando a vez de qualquer tapete
Posto em frente ao necrotério.
Que compramos perfumes caros
Que almejamos um desodorante numa tarde quente
Um banho gostoso pra relaxar
Acabamos confundidos num céu de defuntos banhados
Banhados sim
O tão sonhado banho
Mas de detergente e formol.
Nós que queríamos um flan de baunilha às três da tarde
Mas não podíamos comprar porque estávamos fora do horário de almoço.
Nós que trabalhamos até tarde da noite torcendo para que eu alguém notasse
Mas ninguém sequer estava lá.
Que livramos a pele de pessoas que no futuro se alimentariam da nossa própria pele
Que acolhemos quem hoje nos tira a honra.
Que salvamos a vida daqueles que nos fazem refém.
Que emprestamos dinheiro que outrora roubaram.
Que queríamos cantar mas não tínhamos voz
Que queríamos gritar, mas tínhamos na boca as costuras típicas dos vudus.
Que queríamos ouvir mas só ouvimos o que não queríamos.
Que queríamos justiça, uma justiça nunca feita.
Nós
Que exaltamos a blasfêmia pútrida da essência dos inseguros, covardes
Porém realizados.
Nós que parimos filhos e amanhã por eles somos mortos
Nós que não queríamos fumar
E por ironia fomos tragados pelas circunstâncias tóxicas.
Nós que queríamos uma persiana
Mas a chuva destruiu nossa janela.
Nós que queríamos colo
E recebemos um não.
Nós que queríamos luz
Mas recebemos as trevas.
Nós que torcemos pro mundo girar e ele girou
Mas girou ao contrário.
Nós que torcemos para pessoas serem felizes e essas sofreram
E aqueles que mereciam sofrer
Hoje riem de
Nós
Que achamos que sabemos o que é merecer
Que julgamos saber o que é justiça
Que nos apoiamos na literatura barata de cabeceira
E levamos conosco os momentos de sabedoria
Em miniatura para chaveiro
Junto à chave que já não abre mais porta nenhuma.
Nós que somos otimistas até que nos façam mal.
Nós que levamos a vida com bom humor até que matem nosso filho.
Nós que queríamos engravidar e somos inférteis
Nós que queríamos tempo
E o tempo já passou.
Nós
Lembre-se,
Senhor
Que nós
Só queríamos ser felizes.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Precisa-se, sempre

É a tal da conexão? Que muitas vezes a gente só tem com uma pessoa na vida? Ou que morre achando que não teve? Que quando a gente tem, tem medo de perder e acaba vivendo ela tão pouco? Que quando tem e acostuma, acha que não é bem aquilo e passa a desejar outra coisa? Que quando tem e passa, fica certo de que nunca teve?

Será que estamos aqui buscando só isso, no final? O que nos sustenta, de verdade, se ninguém é uma ilha?

Segurar a mão de alguém já significou pra mim sinal de intimidade, hoje preciso de mais. Sentir que sei coisas que aprendi só de olhar, conviver, não de ouvir. Ver tudo mudar, dia a dia, e seguir junto. Liderar, ser liderada, um olhar que sem falar nada já entende. Viver cada minuto com muita atenção simplesmente porque é bom, não porque precisa.

Representar um papel já significou esperança de aproximação, hoje significa brincadeira, opção, bobeira descartável pra ser descoberta. Ver lá no fundo, as melhores e as piores coisas, é mais que humano, pra mim é necessidade.

Sem isso não tem conexão, não tem substância, não tem vida.