segunda-feira, 31 de março de 2008

Crua

Acredito em mudanças, mas não acredito em nada repentino. Não acredito em acaso, mas o uso como desculpa às vezes. Meu armário é uma zona, mas meu quarto é arrumado. Antes eu achava que quem escondia as bagunças tinha muita bagunça escondida dentro de si. Descobri que eu exponho a minha bagunça interior e esse é meu charme. Sou mais feliz hoje.

Num passado distante, eu não sabia se queria morar junto com qualquer namorado que eu viesse a ter. Sabia que a dificuldade seria saber entrar em acordo sem perder a individualidade. Hoje vejo que isso vira um desafio maravilhoso quando acontece a seu tempo e com uma pessoa bacana. Casei. Sou mais feliz hoje.

Tem dias que eu não agüento, tenho calafrios de desesperança e vontade de vomitar, por passar o dia inteiro às voltas com cronogramas, relatórios, pesquisas, vendas e mensurações quando o mundo precisava é de amor, paz, plantas, amizade e pureza nos dias úteis e não-úteis. Alguns dias eu gosto. Sem perceber, antes eu fingia que era importante ter um cargo com um nome bonito numa empresa de nome bonito só porque o mundo todo achava isso. Não finjo mais. Sou mais feliz hoje.

Tenho medo. Medo de morrer, de avião, de sem querer fazer alguma merda pra alguém e ficar culpada, de acidente de carro, de não realizar tudo que eu acho importante, de perder momentos, de ficar doente. E acabo ficando doente por isso. Antes eu achava que eu não merecia toda felicidade que eu tenho na vida. Hoje sei que não preciso pensar muito nisso, tenho que fazer por merecer. E o medo faz parte. Sou mais feliz hoje.

Quando deixo de pensar demais, viro uma pessoa muito mais bacana. Gosto muito de gente, embora não consiga me presentear pra todo mundo que eu queria. Gosto das coisas simples, idiotas, não-convencionais, não-materiais. Só não sou hippie porque é anti-higiênico. Deixei, numa época da vida, outras pessoas me influenciarem com sua maneira pesada de ver a vida. Meu medo provavelmente veio daí. Não importa. Sou mais feliz hoje.

Eu achava que papo sobre cuidar do corpo e da alma era coisa de religioso, de professor de academia ou de quem não trabalhava. Hoje, aprendi que minha alma é minha casa e que preciso manter ela limpa, isso envolve consciência. Meu corpo é meu hardware, tenho respeito às pessoas que me gostam e que querem que eu viva muito tempo bem e com saúde. Estou fazendo a minha parte. Sou mais feliz hoje.

Sei ter maturidade para resolver situações muito problemáticas. Mesmo sendo muito emotiva, fico racional nos momentos de tensão. Antes, eu sentia orgulho por ser um pouco diferente da média nesse quesito. Hoje, sei que orgulho é a morada dos fracos e que a humildade verdadeira é um ótimo caminho pro autoconhecimento e pra outras coisas boas. Vou atrás disso. Sou mais feliz hoje.

To sempre numa conversa fiada e sei que dela pode-se extrair genialidades. Amo animais e a natureza. Gosto demais de música. Choro com livros, crianças de rua, filmes, mendigos, atitudes honradas. Antes eu dormia até tarde. Hoje eu acordo um pouco mais cedo pra viver a vida, porque sei que tempo é um dos meus bens mais preciosos. Sou mais feliz hoje.

Eu já fui de falar mais e ouvir menos. Eu sempre falei muito. Agora ouço atenta porque essa é a melhor receita pra uma amizade verdadeira durar. Aprendi que só risadas e monólogos não se traduzem em amizades reais se não houver o cuidado e a atenção mútua. Sou mais feliz hoje.

Eu leio biografias, trechos, textos, contos, crônicas. Eu achava que só as pessoas importantes tinham o direito de escrever qualquer coisa porque só o que é estudado, moldado e aprovado era bom. Hoje posso ir de mim mesma, nua, crua, sem maquiagem, cheia de sins e de nãos. Sou muito mais feliz hoje.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Uma cruz a carregar.

Pessoal, o blog é de crônicas mas hoje postarei uma poesia, espero que as meninas não se importem!






Ela está muito convencida
De que onde ela for, ele vai
Ele está sabendo de tudo
Ela assassinou os seus pais.
Ela o está comendo pelas beiradas
Preparando a vingança
E ele: "Não sei de nada."
Parece que é uma criança.
Ele gosta desse suave veneno.
Ele ama aquela menina.
Ele gosta de ser torturado
Famigerado e aflito
Ele gosta de ser salpicado
Com sangue, fofura e grito.
Sado
Sadomadoquista
A mulher, Ana Cruz, maldita
E o homem, Miguel golpista.
Acaba em pizza! Tudo acaba em pizza!
Parece política!
Parece que aqui se fala em comida.
E se fala, se fala sim!
Canibal, menina ruim!
Come o fígado com gergelim.
E ele? Ele se diverte
Diante de seus rins cortados
E a musculatura inerte.
Ele se contenta escrevendo umas coisas
E dando uns tragos e lavando a louça.
Contenta-se com prostitutas
Ostenta-se com suas vadias
E vive em constante luta
Com ela que fode seus dias.
Então ele come Lulu.
Lulu, vagabunda novinha
Chupetinha e sexo anal
Mas Ana é sua princesinha
Sua princesinha do mal.
"Você é burro!" - grita Lulu!
"Burro como uma porta!
É burrice amar alguém
Que não te ama ou se importa!
É burrice amar o seu próprio carrasco
Beijar a mão que derruba ao penhasco
A sua carcaça amarela"
"Eu volto todos os dias
Porque eu não vivo sem ela."
Parece até brincadeira
De um homem de cérebro oco
Ana acende a fogueira
E ele se atira no fogo.
Ele certa vez resolveu transar
Com uma ex namorada
E enquanto metia chorava
Pensando em Aninha, amada.
E Aninha do outro lado do bairro
Bebia licor de menta
Fumava um negócio esquisito
Soltava fumaça magenta!
E ria, e ria da vida!
E de bêbada deu pra um cara
E lembrou do ex no momento
Quando o homem gritou "não pára!"
Mas recuou!
Pensou não parar mas parou.
Vestiu seu sutiã
A calça e o colete de lã
Deixou o homem parado,
Com seu genital esfolado
De tanta força que fez.
Aninha saiu pela rua
E olhando pro céu viu a lua
E sentou sobre os próprios pés.
Ficou ali, agachada
Quietinha, sem ser notada
Sentindo sua perna tremer
Sentindo a virilha doer
Sentindo a saudade danada.
E ele agora lambia
Os seios de Rosa Maria
Rosa, a velhota profissa
Que se masturbava na missa
E os homens que lá frequentavam.
Um dia trepou com o padre
No meio da sacristia
E as fofoqueiras contavam
Que o padra pagava por dia.
Mas isso já é outro assunto
O que importa é que a velha entendia.
Voltando agora à história:
No momento em que Rosa gemia
Ele lembrava de Ana
Da bunda durinha de Ana
Da coxa gostosa de Ana
E do jeito que ela gostava
De abraço depois que gozava.
Então quando se deu conta
Deixou a velhota tonta
Berrando na cama de quatro.
Sujou todo o cobertor
Saiu pelo corredor
Perdeu a chave do quarto.
E por pura ironia do destino
Encontrou pela rua um menino
Com sangue nas mãos e gritava:
"A moça! A moça bonita
Morreu com a garganta cortada!"
E ele seguindo o pirralho
Gritou um sonoro "Caralho"
quando teve a terrível visão:
Aninha sua menina amada
Um anjo e uma desgraçada
Jazia jogada no chão.
E Lulu ao lado chorava
Com uma faca encravada
No meio do coração.
"Matei, eu matei sua menina!
Não é mais sua, ela é minha
E eu vou atrás dela também.
Se não tenho você comigo
E você não me quer contigo
Eu não quero mais ter ninguém.
E então deu um grito alto
E sangrando, deitou no asfalto
Morrendo naquela calçada
Então ele olhou para Ana
Beijou-a e levou para cama
Enquanto se lamentava.
E lambendo-lhe o sangue no peito
Olhou-a e falou "bem feito"
Depois lhe tirou a roupa.
Pegou seu revólver guardado
Atirou-se com Ana ao seu lado
E morreu lhe beijando a boca.

Thaís S.B. Araujo

sexta-feira, 14 de março de 2008

Ao futuro, com carinho

Tem muita gente torcendo para que você exista logo. Mas, como uma boa taurina, signo da terra, gente bem realista, te digo que ainda vai demorar um bocadinho de tempo pra gente se conhecer. Mas eu te prometo uma coisa: vai valer à pena ter esperado.

Sinto que tem muita coisa pra acontecer. Você vai acabar percebendo ou até já sabe, mas quero te dizer: sua futura mamãe é uma pessoa que sente medo. Alegre, meio idiota, segura aos olhos alheios, corajosa até, mas ainda assim meio medrosa. E ansiosa. Veja que você já é tão precioso que consegue colocar essa ansiedade no lugar dela: eu posso e quero esperar a hora certa de te ter nos braços. E digo braços porque nem sei se você será filho da nossa barriga, ou do nosso coração. Isso é algo que eu espero poder te ensinar, bebezinho: que a vida traz um monte de surpresas e até aquelas que a gente pensa que são tristes, não necessariamente são. Confuso, né? Eu sei.

Preciso te falar outra coisa. Seu futuro pai. Se você fosse puxar qualquer coisa dele e eu pudesse escolher, escolheria o coração. Ele tem o maior coração que eu já conheci. E é uma pessoa sensível, ainda que não goste muito de escrever nem seja dado a dançar uma música lenta. Ele sabe perceber. E isso é uma coisa que junta a mente e o coração de uma pessoa e faz ela ser adoravelmente charmosa. Espero também que você tenha um pouco da luz dele.

Você também precisa saber que será fruto de um amor que se transformou. Éramos dois amigos, bebezinho. Daqueles de falar bastante besteira, dar bastante risada, compartilhar medos e tomar café juntos todo dia. Nossa vida andava meio esquisita, bebê. E um dia a gente se encontrou. E de lá pra cá, não passa um dia sem que a gente se fale o dia inteiro, por e-mail, por telefone, por pensamento. A gente tem saudade um do outro no pouco tempo que ficamos separados. Nós temos os nossos rituais e as nossas viagens. Nós não lembramos mais como era viver sem ter um ao outro.

A gente também se desentende, viu? Pouco, mas costuma ser assim com quem se relaciona por inteiro. Nunca acredite nem queira ter um relacionamento à perfeição, acredite em humor, espontaneidade e respeito ao espaço do outro. Lembrando disso, essas briguinhas sem valor logo acabam, assim como as nossas. Não quero, mas acho que em algum momento nós podemos errar com você, bebê, porque o ser humano se perde de si mesmo às vezes. Você vai sentir na pele o sentido de ter uma família. Vai aprender que existem famílias diferentes. Que a nossa poderá ser diferente, quem sabe, mas vai saber que se sentir acolhido e entendido independe disso.

Uma coisa que eu sei que vai acontecer: você vai ensinar muita coisa pra todo mundo. Vai me ensinar a dar exemplos, a ser menos desastrada, menos ansiosa, mais atenta às prioridades da vida. Vai ensinar ele a ter mais paciência. Vai nos ensinar a resistir a uma bela chantagem emocional. Não vai ser fácil, mas acho que podemos nos sair bem. Já preciso te avisar: você será mordido, apertado, amado.

E, se me falta confiança para saber que eu tenho condições de dar toda felicidade que você merece, o tempo deve tratar disso. Se fôr pra ser, será. Até lá, eu e seu futuro pai vamos andando pela estrada, mudando de direção, ouvindo algumas canções, falando outras besteiras, perdendo e ganhando, mastigando e digerindo a vida. Que, apesar de todas as agruras, é o maior presente que alguém pode receber, futuro bebezinho.

terça-feira, 4 de março de 2008

Verdades-Vergonhas

Vou parar com essa mania estúpida de "presentear" os outros com as verdades de meus sentimentos. Verdades raras, que por serem raras, são preciosas.
É mentira.
Não vou.
Não vou parar.
Em horas como essas, eu deveria. Mas não vou parar. Acho que sou diferente de qualquer outra pessoa desse mundo.
Quando as pessoas rompem um relacionamento, a maioria quer mostrar ao outro que está bem, que esqueceu tudo num passe de mágicas. Eu não. Eu não faço isso. Eu conto a verdade.
A verdade que está no íntimo, a verdade que para os outros é vergonha, é fraqueza, é medo de se humilhar. A verdade que não pode ser contada, a verdade escondida por trás do salto alto, das unhas pintadas, da balada do sábado, do cara que deu em cima de você, da cerveja que você toma, da risada que você dá. A verdade escondida por trás de tudo isso, porque por trás do salto alto que você usa há um pé calejado de tanto esperar um sinal de vida, por trás das unhas pintadas há uma unha linearmente lixada para não dar a impressão de que foi roída de ansiedade e nervosismo, por trás da balada do sábado há um pensamento roedor que fica imaginando o que será que ele está fazendo agora? Por trás do cara que dá em cima de você, está ele te olhando com olhos de quem - não adianta tentar - não vai deixar você em paz. Por trás da cerveja que você toma há o gosto dele e de por trás do riso que você dá há o desespero da saudade.
Verdades falsas. Verdades-mentiras. Verdades-vergonhas. Você só quer mostrar ao outro a superficialidade do que te rasga por dentro.
Eu não faço isso. Eu assumo. Eu falo pra ele que toda cerveja tem o gosto dele, que por trás de todo cara ele me olha, que por trás da minha risada existem as lágrimas. E não só com ele. Com todos. E em troca sou congelada com sua imparcialidade vazia.
Essa minha estúpida mania de ter medo de morrer sem que os outros saibam o quanto os amei. E eles nem merecem. E ninguém merece a minha verdade, ninguém merece a vergonha que eu passo, a humilhação que me deixo passar.
Eu mostro o sangue, eu os faço sentir o cheiro das minhas lágrimas nos travesseiros, eu mando as letras de músicas que me fazem lembrá-los, eu questiono sobre o que ainda sentem por mim, eu me rasgo toda, tiro tudo o que existe dentro e coloco em cima de uma mesa para que olhem, para que conhecem o que existe ali, para que sintam o gosto daquilo, a textura daquilo. E então pego tudo e entrego à eles, com minhas próprias mãos. E como se não bastasse eu digo: Está vendo tudo isso? É seu.
Óbvio que ninguém sabe o que fazer com aquilo tudo. Óbvio que muitos se sentem enjoados com tudo aquilo.
Óbvio que acham esquisito, que ficam sem saber o que dizer, que não entendem o motivo de eu lhes entregar algo que talvez não seja nem necessário.
E então vem o susto: Como você pode me amar tanto assim?
Veja só, a diferença é que muita gente ama tanto quanto eu mas preferem lhes entregar uma realidade feita com as próprias mãos, enquanto eu lhes entrego o material bruto. Prefiro não modelar as minhas verdades. Prefiro não modelar minha angústia para que pareça felicidade. Se eu sofrer, vou lhe entregar meu sofrimento exatamente do jeito que ele é, com o cheiro que ele tem.
Isso quer dizer que eu te ame mais do que qualquer outra pessoa no mundo, a ponto de te assustar?
Não. Isso quer dizer que eu não tenho saco pra brincar de fazer escultura.
E isso quer dizer que outras pessoas preferem se sacrificar esculpindo sentimentos para não ver a cara de assustado de seus amados e se sentirem malucas com isso.
Eu prefiro vê-los me olhando como se eu fosse uma maníaca do que ficar inventando mentiras e sujando minha mão com esculturas que uma hora ou outra vão desmoronar.
Só poupo meu tempo em algo que mais tarde vai se revelar.
Mas...
E se ninguém soubesse de tudo isso? E se eu morresse hoje cedo? E se ninguém soubesse? E se eles tivessem morrido? O que adiantaria? Mas que idiotice a minha de falar, falar, falar. E se os outros não quiserem ouvir? Mas dentro de mim algo diz que os outros precisam saber. Talvez eles usem isso futuramente pra alguma coisa. Talvez seja um modo de consolá-los que em alguma época de suas vidas eles foram amados desesperadamente por alguém.
Só há um lado bom nessa história toda. É que quando eu esquecer uma pessoa, essa pessoa não terá a menor dúvida de que eu a esqueci, pois do mesmo modo que falo sobre um amor, eu falo sobre a indiferença.
A primeira vez que terminei um namoro, eu jurei que nunca mais me apaixonaria. Me achava esperta, achava que ninguém poderia me enganar, que eu estava acima de tudo, que eu poderia controlar meus sentimentos.
Burrice de menina.
Esforço em vão.
Isso tudo só me serviu para me provar que eu não vou controlar porra nenhuma. E desde então foi que comecei a falar a verdade desesperadamente. Já que não posso controlar meus sentimentos, e já que o tempo passa e cura todas as feridas, porque esconder o que sinto?
Sim, é humilhante escutar da pessoa que você ama que evitá-la vai tornar as coisas mais fáceis pra você.
Você se sente burra. Você se sente doída. Você se sente frágil.
E aí você evita essa pessoa porque não evitá-la seria humilhar-se mais ainda.
Precisa ser forte. Precisa ter as costas fortes pra carregar a dor de um mundo, porque nisso tambérm existe a recompensa. Os outros podem tentar me enganar mas eu jamais sofrerei com a dor da minha própria enganação, que é a dor que mais dói. Mas tudo tem seu preço. Esse "sincerocídio" vive em busca de respostas que não existem, de algo que busco e que não vou ter, de uma esperança ilusória, de palavras que não vou escutar. Mas ele me conforta, porque me permite saber de tudo isso, e é justamente por conta disso que acaba tudo bem depois. Sou de certa forma uma "lunática lúcida."
Não existe mais medo. Não tanto quanto antigamente, que eu escondia tudo e todas as verdades modeladas me causavam dor de estômago, ânsia, mal-estar.
Todas as pessoas que eu amar vão saber disso.
E todas as pessoas que eu for tentar esquecer vão saber disso.
E todas as pessoas que eu esquecer de vez , vão descobrir isso, porque eu não vou precisar contar.
E eu já sei como essa história vai acabar.
E é exatamente por isso que eu não me importo em expor minhas "vergonhas", porque não existe vergonha em amar e em deixar que o outro saiba. Vergonha é tratar o amor como se não fosse digno de ser amor. O amor não nos torna fracos, o que nos torna fracos é o medo que nos esquiva de amar.