quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Tristeza social

Aconteceu ontem. Uma menina potencialmente inteligente, do alto dos seus vinte e poucos anos, numa aula qualquer sobre políticas públicas, falou umas frases defendendo o uso do "caveirão" (carro de guerra blindado do Batalhão de Operações Policiais Especiais, da PMRJ). Deu briga.

A aula era sobre cidadania, políticas públicas, quais melhoras já ocorreram, quais precisam ocorrer, pelo prisma governamental, com base na nossa constituição e suas diversas manifestações (organizações regionais e estaduais). E surgiu um assunto muito bacana chamado "criminalização da pobreza". Basicamente ele coloca toda a farinha no mesmo saco, ou seja, se é pobre é ladrão e traficante. Um sociólogo percebeu que isso está ultrapassando fronteiras e se tornando um preconceito de todos, demonstrado em atos diários como a não contratação de pessoas que moram em lugares perigosos (isso vem acontecendo muito no RJ). E aí chegamos no assunto violência gerando violência, e sei lá porquê motivo alguém mencionou o Caveirão.

Antes da discussão, alguns fatos: somente 3% da população é considerada por especialistas como psicopatas ou sociopatas, ou seja, pessoas que fazem de tudo para satisfazer seus prazeres sem sentirem culpa ou remorso genuínos. Essas pessoas não têm tratamento, precisam mesmo ficar isoladas da sociedade. Porém, os outros 97% dos criminosos, está no crime por pura contingência: foi mais fácil esse caminho, ou ainda, a outra opção estava muito distante. Posto isso, podemos constatar que numa sociedade bacana que os provessem de oportunidades, 97% dos criminosos teriam recuperação.

Voltando à briga, o senso comum se manifestou através dessa menina, que disse as frases básicas que já ouvi de muita gente por aí: "tem que matar todo mundo e começar de novo mesmo", "violência tem que ser punida", "ladrão tem mesmo que morrer" e "os fins justificam os meios". Quando questionada se ela não achava que a violência deveriaser olhada pelo prisma da causa (desemprego, fome, desespero social) e não da consequência (crimes em sí), ela respondeu: "política social leva muito tempo pra acontecer, precisamos punir enquanto isso".

O que ela não percebe - e toda a nossa sociedade que pensa assim também não percebe - é que desde SEMPRE a política social demora. Ou seja, ela NUNCA funcionou. E provavelmente nunca vai funcionar. Mas, ao invés de discutir o porquê disso, ficamos discutindo se é certo ou não policial blindar um carro e disparar 140 tiros por minuto contra a sociedade, composta de criminosos E de inocentes.

A metáfora é a seguinte: vamos num supermercado (que neste caso representa o governo), damos dinheiro a ele, pagamos por um produto que o supermercado teria condições de nos dar, porém ele nos diz: então fulano, não vou te entregar o produto agora e não sei quando te entregarei. E aí, nós, acostumados que estamos com isto, aceitamos a falha do supermercado e vamos brigar entre nós por comida. Nos matamos por algo que deveríamos exigir lá do supermercado.

Nunca discutimos os motivos pelos quais as políticas públicas não funcionam. Discutimos a morte, o caos. Mas não os motivos. Culpa do pão e circo, culpa das pessoas que mandam no sistema, burguesia que domina não só a política, mas os meios de comunicação e as empresas de bem de consumo. Por causa desse sistema, não é muito lucrativo acabar com a seca do nordeste, com a educação precária. Pra quê munir as pessoas de arma contra essa mesma burguesia? Mas também, culpa das pessoas que poderiam ver a situação como ela é, e decidem continuar cegas, mesmo depois de uma discussão como essa que aconteceu em sala de aula.

A pergunta que ficou e não teve resposta: porquê então não usamos o Caveirão lá no Morumbi, nas casas ricas, se lá naquele bairro também estão os traficantes?

12 Comments:

Messias said...

Perfeitas as reflexões! Concordo quando diz que o Supermercado recebe nosso dinheiro e não entrega o produto! O governo trabalha com prevenções! Desde sempre, para que instruir? Para que educar? Para perceberem o que estamos fazendo aqui... olha lá, dá qualquer coisinha pra eles ta bom! é assim... pra que acabar com a seca do nordeste? Vão prometer o que nas próximas eleições? Como vão comprar votos?

Complexo o tema, já passou relamente da hora de deixarmos esse preconceito de lado... E sermos mais coerentes, mas infelizmente o poder sempre está nas mãos de quem não interessa ver as coisas mudarem! Parabéns!

Chris said...

Olá gatina.

Como sempre, vc foi ótima ao expressar a realidade brasileira como ela realmente é.

E concordo contigo que é o povo quem deveria se mobilizar e brigar por seus direitos.

Mas como sabemos, o povo brasileiro nao foi feito para isso e não se encaixa no perfil do cidadão que sabe o que precisa para ele e para o proximo, ou seja, é pedir demais para os brasileiros que façam o basico como direitos e respeito ao próximo.

Portanto concordo com todos seus argumentos mas é algo bastante utópico para esse Brasil que conhecemos. Talvez se começassemos hoje, os nossos netos poderiam disfrutar de algo melhor.

AMA,

Chris

Thaís SBA said...

É um tema muito complexo mesmo pra se abordar.
Bom, há vários fatores aí para serem discutidos, mas vamos lá.
Às vezes penso que seria mais fácil mesmo se todo mundo que causa isso tudo explodisse e tava tudo bem, mas você tocou num ponto importante...e quem não tem nada a ver com isso?
Eu concordo quando você diz que 97% das pessoas estariam numa situação completamente diferente se seus meios justificassem outros fins, que não estes, causadores de tanta tragédia e horror. Porém, acredito que sendo a pessoa da favela ou não, tendo condições ou não, tendo um caminho "mais fácil" ou não, todas elas tem algo em comum: o poder de escolherem.
Para muitas crianças é normal a rotina do pó, do tiroteio,ontem mesmo li na Globo.com que crianças estavam brincando de "tráfico" no Sul do país, em plena escola. ralavam giz até virar pó e ganhava quem conquistava mais bocas de fumo.
Tipo...é algo que virou brincadeira, e as brincadeiras infantis são puro reflexo do cotidiano.
Mas querendo ou não, quando isso se torna uma ameaça para a sociedade, quando essas mesmas crianças crescem e começam a encher culpados e inocentes de tiros e os submetem à torturas hediondas, acredito que sim, deve haver punição MESMO, pois não acho que uma pessoa que entupiu uma criança ou outro inocente de tiros mereça o produto prometido do supermercado e apartir daí, ela já não mais tem o direito de cobrar este produto.
Talvez ela tivesse se já não tivesse estragado tanta coisa.
Pensando no geral agora, claro que todos merecem uma oportunidade, claro que há os direitos humanos, claro que um cara que tocou o terror no morro é um ser humano como nós e tem direito ao seu "advogado".
Mas eu repito, pensando no geral.
Agora se este mesmo traficante, bandido, assassina alguém da sua família, a coisa muda de figura. Se este mesmo bandido estupra a sua filha e a entope de facadas depois, a coisa muda de figura.
Tenho certeza que diante de uma situação como essa, nem você, nem eu, nem qualquer advogado dos direitos humanos vai pensar duas vezes antes de querer que esse bandido seja torturado da pior forma. Tenho certeza que nesse momento ninguém vai pensar que "ah, mas ele fez isso porque ele não teve oportunidades."
Não. Neste momento, você vai ter certeza que ele fez isso por que ele é cruel e não merece estar vivo.
Bom, resumindo. Acho que o sistema do Brasil é podre, falho, sujo. O sistema carcerário é brutal e injusto, principalmente porque somos nós que pagamos o almoço do bandido na cadeia, e que poderia ter matado alguém de nossa família.
Se ao menos trabalhassem pra isso, não teriam tempo de pensar em cometer atrocidades ainda na prisão.
Mas agora, concluindo, claro que os motivos devem ser discutidos, mas acho que ficar pensando nas "pessoas que cometeram atrocidades porque não tiveram oportunidades" é perda de tempo. O que muitas delas causaram não tem volta. Os motivos devem ser discutidos para que piores ações não sejam concretizadas futuramente, para que as crianças de hoje tenham oportunidades e não tenham que ser punidas amanhã.
É fato.
Hoje a gente faz uma cagada, eu Thaís, boazinha e cheirosa, mas tenho que pagar por essa cagada, assim como você, o Messias, o Chris. Isso porque somos pessoas com oportunidades, mas porque é assim. Na empresa, se você falha, você é demitido. Na escola se você vai mal, você reprova. Se você fala no celular no carro, você leva multa, e se você bebe e dirige, você é punido porque essa sua ação PODE FODER COM A VIDA DE UM INOCENTE por mais que você seja uma pessoa legal que inocentemente tomou uns chops no happy hour. E ninguém pensa se você cometeu esses erros por outros fatores como "você foi mal na escola porque é DDA, você estava falando numa emergência no telefone no carro, você falhou no serviço porque estava doente."
Então um bandido deve ser punido como todos nós, mesmo porque, suas atrocidades são incomparavelmente piores do que as falhas que eu ou você cometemos no dia a dia e ainda assim temos que pagar.

Mulher do Padeiro said...

Excelente texto, como sempre, né... acho que vai precisar de mais uns 500 anos pra gente equilibrar a balança social no país. Ou vai demorar o dobro, se essas geniais alunas pró-Caveirão virarem políticas, rs. Beijo!

Tha Basile said...

Tha, concordo com tudo que vc falou, mas punição não tem que ser morte. Põe nego pra trabalhar forçado a vida toda e dar a grana do trabalho forçado pra família da vítima, isso sim.

Porém, antes de falarmos em punição, temos que falar em condições de sobrevivência no mundo que existe hj.

Deveria ser MAIS FACIL arrumar um emprego e viver honestamente do que entrar pro crime. Estas pessoas que vc diz que têm escolha, elas vão pro lado mais fácil (quem não vai? a gente mesmo faz isso no dia-a-dia). A questão não é defender os criminosos, a questão é que NÃO SABEMOS se esses criminosos continuariam existindo numa sociedade justa. A escolha deles provavelmente continuaria sendo para o caminho mais fácil, porém o caminho mais fácil seria trabalhar e estudar pra se sustentar na boa, entende?

beijo, flor

Thaís SBA said...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thaís SBA said...

Thá, lindona, não disse que merecem morrer, o que eu disse foi que se um dia algum deles fizer mal à sua família, você vai querer que essa pessoa morra e sofra, e não parar pra pensar que ela fez aquilo porque foi uma pessoa que não teve condições.
As condições devem ser discutidas sim, mas seria ótimo se além de discutidas elas se transformassem em atitudes né. Outra coisa que eu também quis deixar claro, é que as condições não devem ser discutidas para se pensar nos bandidos que já ferraram com tudo, mas sim para os "futuros" bandidos. Quanto àqueles que já ferraram com tudo, o sistema deveria rever seu funcionamento e botar todo esse povo pra trabalhar!

Bjokas!

Ps: Minha coelha ainda tá aprendendo a escrever, então depois eu traduzo aqui o comentário dela huhasuhahuas!

Tha Basile said...

Se acontecesse com a minha família eu ia querer que a pessoa ficasse trancafia pelo resto da vida para não fazer com outras pessoas oq fez comigo...morte é mto fácil e mto pouco, além de ficar na consciência...

beijo, flor

Dennison Barros said...

respondendo à sua pergunta.
.
vc já viu nas casas ricas do Morumbi, ou até mesmo em qualquer casa comum, fora dos lugares que vc considera perigoso,alguem atirando com fuzis, metralhadoras, granadas,pistolas etc...etc...contra a Policia, ou contra qualquer um que não seja do local??
Voce conhece alguem que coloca fogo em onibus?
A realidade é outra, vc precisa vivenciar melhor o que realmente existe.
Ficar com expressões bonitas
"criminalização da pobreza" "etc..
não funciona,ou chavões antigos "violencia gera violencia" etc...tb não.
.
Não adianta brincar de sociologia bonita de banco de Faculdade. O que se precisa é descobrir as causas (o que esse governo não faz, por total falta de interesse,de capacidade e de moral) e combater com eficiencia os efeitos.

Thaís SBA said...

Hahahaha prezado Denison...Foi EXATAMENTE ISSO que ela quis dizer. Acho que se ela precisa vivenciar melhor a realidade, você precisa aprender a interpretar melhor os textos que lê.

Thaty said...

Com ctz um texto pra se pensar, pessoas assim, maquiavélicas, vivem num mundo paralelo, num mundo onde realidade se pune e fantasias se criam. É triste pensar que algumas pessoas pensam q fechar os olhos e punir, simplesmente, é suficiente e esperemos de braços cruzados a politica fazer algo, a desigualdade diminuir,...
Preconceitos, algo q criamos sem ter real conhecimento... É preciso derrubar barreiras, olhar com uma visao mais critica, requerer mais, exigir mais e fazer mais.

Pergunta pertinente no fim, e o Morumbi?

Amei o texto, muito mesmo!

beeijos linda

bruno said...

É mais fácil fazer coro com opiniões elitistas do tipo "redução da maioridade penal, pois esses muleques se aproveitam da lei", ou " mais e rota na rua, aí sim o brasil vai pra frente. Pois, quando se repete feito um papagaio uma opinião, não é necessário justificar o porquê, não precisa se envolver com algo que busque uma alteração social, basta dizer que os políticos são pagos pra resolver estes problemas, e que se cada um buscar teu emprego e viver sua vida de miséira e privações, o país via melhorar... Bom, se muitos acreditam que os EUA de fato se preocupam com o mundo, por que duvidariam disso???
Abraço