Jorjão levanta da cama, quando consegue uns bicos de pedreiro ou de chapa, veste sua calça menos surrada, a camisa de sempre, dá um beijo na mulher que dorme com os mesmos bobes na cabeça de quinze anos atrás e sai pro mundo. Entra na fila do seu metrô lotado às cinco e meia da manhã. Adora o cheiro das mulheres logo cedo. No caminho, dá um sorriso porque seu time de futebol está quase completo: o décimo filho está a caminho, mais um molequinho pra aumentar a renda em casa.
Como todos aqueles dias em que há trabalho, tira o pente do bolso da frente da camisa e dá aquela ajeitada no cabelo, anuncia a novidade, logo convidando o pessoal pra cair no samba, lá no alto do Capão Redondo. Jorjão chama Jorjão e não Jorginho porque não consegue ficar longe de uma rabada, uma buxada, uma feijoada, uma cervejada. Nem de um rabo de saia. Casou com dezesseis anos, o pai era da igreja e fez questão de honrar a família da menina que o filho tinha desvirginado, o pastor até perdoou.
Nada mal para seus trinta e seis anos, pensava. A mulher era passadeira em casa de família, vez ou outra dava para fazer um bate e volta na praia com a Kombi dos "truta". E que felicidade era poder abrir o guarda-sol, tirar a sua geladeirinha de isopor e beber a cerveja mais esperada do ano, olhando pro infinito malcheiroso do litoral sul. O emprego fixo de metalúrgico tinha ficado pra trás, mas o barraco de alvenaria era próprio.
Fez o primário e sabia ler, assim como metade de seus filhos. Um deles, ele havia perdido pra vida, aviãozinho do tráfico. Gostava de pegar o jornal e acabava dormindo em cima dele, depois de ler a parte de esportes. Nas eleições, votou num candidato engraçado lá do programa eleitoral que seus amigos indicaram. E quando a Belinha resolvia baixar a guarda, a vida ficava doce: passavam a noite no banheiro do barraco de dois quartinhos, como dois coelhos, ela com a sua bunda enorme de mulata brasileira e ele com a sua barriga de marido de mulata. Ela torcia para não ficar grávida, ele pouco se importava com isso.
E viviam a vida. Algum de vocês sabe o que eu mais invejo no Jorjão, no José, na Maria, na Marluce, na Josilde? A capacidade de viver na merda e rir disso tudo. A felicidade ingênua da irresponsabilidade. A falta do medo, da vontade, da saudade. A completa falta de idéia do que pode e irá acontecer e as conseqüências do que virá. E enquanto eu, parada no trânsito da Raposo Tavares, tento ao mesmo tempo ler um livro que acho importante dentre os milhares que não li e pensar nos porquês dos porquês, eles jogam tudo pro lado e vão sambar.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Salve Jorge
Quem serviu?? Tha Basile às 06:00
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8 Comments:
Oi Mulher. Sabe que hoje logo cedo recebi um conselho parecido com esse texto. Algo como: Thaís, pare de refletir sobre a rebimboca da parafuseta dos colapsos das síndromes das catalúnias psicológicas e VÁ VIVER, CARALHO!
É isso. Quero virar o Jorjão nem que seja por um dia. Mesmo que depois eu volte a escrever difícil e refletir sobre a minha existência hhuasuhauhs!!!! Você acertou EM CHEIO o meu dia de hoje, Tha! Sem brincadeira!
Simplesmente perfeito.
é sexta-feira, vamos viver, bora lá!
hehehe
bejo flor.
Muito bem falado, minha gatona!
Mais um de muitos textos geniais.
Quem sabe um dia a gente aprenda a ser assim também, vivendo mais, aproveitando mais e sofrendo menos com o futuro.
Enquanto isso não acontece, no meio dessa bagunça generalizada, pelo menos tenho você, minha alma gêmea.
E por isso, so agradeço....peço o transito que for com sorrisao no rosto pois sei que em casa verei vc.
AMA
Christian
Jorjão lifestyle rules a lot!
A graça de tudo está no desapego e nas coisas simples,certeza que está.
O bom da vida eh dar risada, falar merda e amar.
Vc escreve muito bem garota, parabéns!
Beijos.
Eu amo os Jorjões da vida!
Vamos viver! dançar samba, maracatu, sei lá...
beber, festejar!
eba eba!
Mas depois sempre volto pros livros e pros por ques da vida...
Perfeitissimo!!! Adorei a narrativa, tudo, principalmente o cair no samba! hehehe...
Adoreeeeeeei, flor!!
:*
Quanto mais simples... mais feliz..
não sei porque complicamos tanto tudo..
tb m vivo com esses dilemas
:)
Engraçado, né? Parece que eles sabem mesmo ver beleza nas coisas pequenas da vida...
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